Quantcast
Channel: Revista Pittacos » Sem categoria
Viewing all articles
Browse latest Browse all 4

Qual seu filme favorito de Woody Allen: Carta aberta de Dylan Farrow

$
0
0

[N.E.] Tradução da “Carta de Dylan Farrow” publicada no blog de Nicholas Kristof, hospedado pelo New York Times. Precedida pelo comentário do autor do blog.  Traduzido por Rose Ferreira. 

[nota de Nicholas Kristof:] Em 1993, acusações de que Woody Allen tinha abusado de sua filha adotiva, Dylan Farrow, inundaram as manchetes dos jornais, como parte do sensacionalismo sobre a badalada separação entre Allen e sua namorada, Mia Farrow. Este caso tem voltado à tona repetidamente, mas esta é a primeira vez que a própria Dylan Farrow se pronuncia sobre isso em público. É importante notar que o Woody Allen nunca foi processado pelo caso e tem consistentemente negado o crime; Ele merece a presunção de inocência.  Por que então, publicar o relato de um caso antigo no meu blog? Em parte porque a conquista do Globo de Ouro, acendeu um debate sobre a adequação do prêmio; em parte porque a questão de fundo aqui não é fama, mas abuso sexual  e, em parte, porque se têm escrito apaixonadamente sobre esses fatos por toda parte,  mas ainda nos falta ouvi-los da boca de uma  jovem que esteve no centro dos eventos. Já escrevi uma coluna sobre isso, mas está na hora  do mundo ouvir a história de Dylan, nas palavras da própria Dylan.)

*******

Qual o filme de Woody Allen é o seu favorito? Antes de responder, você tem que saber: quando eu tinha sete anos, Woody Allen me tomou pela mão e me levou a um sótão escuro, tipo um armario, no segundo andar da nossa casa. Ele me disse para deitar de bruços e brincar com o trenzinho elétrico do meu irmão. Em seguida, ele abusou sexualmente de mim. Enquanto o fazia, ele sussurrava que eu era uma boa menina, que aquele era o nosso segredo, que iríamos para Paris e eu seria uma estrela dos seus filmes. Eu me lembro de fixar naquele trenzinho, concentrando-me nos seus movimentos enquanto ele circulava ao redor do sótão. Desde esse dia, acho difícil mirar trenzinhos de brinquedo.

Ate onde consigo lembrar, meu pai sempre tinha feito comigo coisas de que eu não gostava. Não gostava das inúmeras vezes que me afastava da minha mãe, dos meus irmãos e amigos para ficar sozinha com ele. Eu não gostava quando ele enfiava o polegar na minha boca. Eu não gostei quando eu tive que me enfiar na cama, debaixo dos lençóis com ele só de cueca. Eu não gostava quando ele colocava a cabeça no meu colo nua e ficava ofegando. Eu costumava me esconder debaixo da cama ou me trancar no banheiro para evitar esses encontros, mas ele sempre me achava. Estas coisas aconteceram tantas vezes, tão rotineiramente, tão habilmente escondidas de uma mãe que teria me protegido se soubesse, que eu pensei que fosse normal. Pensava que era como os pais amavam suas filhas. Mas o que ele fez comigo no sótão eu senti que era diferente. Eu não podia manter o segredo.

Quando perguntei para minha mãe se o pai dela fez com ela o que Woody Allen fez comigo, eu sinceramente não sabia da resposta. Também não sabia da tempestade que isso iria desencadear. Eu não sabia que meu pai usaria seu relacionamento sexual com a minha irmã para encobrir o abuso que ele cometeu contra mim. Não sabia que ele acusaria minha mãe de colocar essas coisas na minha cabeça e a chamaria de mentirosa por me defender. Eu não sabia que eu seria obrigada a contar e recontar minha história para um medico atras do outro, pressionada para ver se eu admitia que eu estava mentindo,  como parte de uma batalha legal que eu nao podia sequer entender. A certa altura, minha mãe me sentou e me disse que eu não seria castigada se estivesse mentindo – que eu podia voltar atras. Mas eu não podia.  Era tudo verdade. Mas alegações de abuso sexual contra alguém poderoso se emperram mais facilmente. Não faltaram especialistas querendo atacar a minha credibilidade. Médicos desejosos de confundir a cabeça de uma criança abusada.

Depois de uma audiência de custódia negando ao meu pai o direito de visita, minha mãe desistiu de continuar com a ação criminal, devido, nas palavras do procurador, à fragilidade da “criança vitimada” - apesar da asserção dos indícios de culpabilidade pelo Estado de Connecticut . Woody Allen nunca foi condenado por qualquer desses atos. Que ele tenha conseguido se safar de tudo que fez contra mim, me perseguia como um fantasma na medida em que me tornei adulta.  Me afligia a culpa de haver permitido que ele se aproximasse de outras meninas. Eu tinha pavor de ser tocada por homens. Eu desenvolvi um transtorno alimentar. Eu comecei a me cortar. Esse tormento foi piorado pela atititude de Hollywood. Todos, exceto alguns poucos preciosos indivíduos (meus heróis) fecharam os olhos. A maioria achava mais fácil aceitar a ambiguidade, dizer, “quem pode afirmar com certeza o que aconteceu,” fingir que não havia nada de errado. Atores o elogiavam nas cerimonias de premiação. As redes o mostram na TV. Os críticos o colocavam nas revistas. Cada vez que eu via o rosto do meu agressor – em um cartaz, uma camiseta, na televisão eu so conseguia conter meu pavor até achar algum lugar onde pudesse ficar sozinha e desabar.

Na semana passada, Woody Allen foi nomeado para o seu Oscar mais recente. Mas desta vez, eu me recuso a desmoronar. Por longo tempo, a aclamação de Woody Allen me silenciou. Era como uma repreensão pessoal, como se os prêmios e elogios fossem uma maneira de me mandar ir embora. Mas os sobreviventes de abuso sexual têm me estendido a mão  – para me apoiar e compartilhar comigo seus medos de seguir adiante, de serem chamados de mentirosos, de ouvir que suas lembranças não são suas lembranças – me deu um motivo para não ficar em silêncio, ainda que apenas para que outros saibam  que eles também não têm que ficar em silêncio.

Hoje, me considero uma pessoa com sorte. Sou casada e feliz.  Tenho o apoio de irmãos e irmãs maravilhosos. Tenho uma mãe que encontrou dentro de si um manancial de força que nos salvou do caos que um predador trouxe para dentro da nossa casa.

Mas existem outros que ainda estão com medo, vulneráveis e lutando para ter coragem de dizer a verdade. A mensagem que Hollywood manda é importante para eles.

E se tivesse sido seu filho, Cate Blanchett? Louis CK? Alec Baldwin? E se tivesse sido você, Emma Stone? Ou você, Scarlett Johansson? Você me conheceu quando eu era uma garotinha, Diane Keaton. Se esqueceu de mim?

Woody Allen é um testemunho vivo da forma como nossa sociedade falha para com os sobreviventes de abusos e violência sexual.

Agora, Imagine sua filha de sete anos de idade, sendo levada para um sótão por Woody Allen. Imagine que ela passe a vida tendo ataques de náuseas à simples menção do seu nome. Imagine um mundo que celebra o seu tormento.

Imaginou? Agora diga, qual filme de Woody Allen é o seu favorito?

FONTE: http://kristof.blogs.nytimes.com/2014/02/01/an-open-letter-from-dylan-farrow/

*Aqui duas interessante respostas:

No conhecido  blog “Já Matei por Menos” de Juliana Cunha.  http://julianacunha.com/blog/2014/02/02/woody-allen-yada-yada/

E em inglês um relato detalhado do caso por um partidário de Allen, o cinebiografista  Robert B. Weide.   http://www.thedailybeast.com/articles/2014/01/27/the-woody-allen-allegations-not-so-fast.html

01

O_depoimento_de_Alice_Dal_La_Casa_Triste_1_


Arquivado em:cotidiano, Cultura, Sem categoria Tagged: abuso, Dylan Farrow, globo de ouro, infância, pedofilia, Woody Allen

Viewing all articles
Browse latest Browse all 4

Latest Images

Trending Articles





Latest Images